Continuando a série de posts da viagem à Paris em que o último post é este, marcamos viagem pelo Thalys à Bruxelas, de onde iríamos à Diest. A razão desta viagem começou muitos anos atrás.
Durante minha infância e adolescência, ouvia minha mãe contar histórias sobre a família, ela era a memória. Sabia de cor o parentesco e as histórias de cada um e arquivava fotos antigas, recortes de revistas e jornais sobre diversas pessoas que de uma maneira ou de outra contribuíram em uma época para a história, tanto do lado dela, como da família de meu pai. Ela tinha tanta preocupação com a preservação da memória, que por dois anos pesquisou e se deu ao trabalho de fazer a árvore genealógica da família Souza Dantas, com pesquisa desde antepassados de Portugal, e ainda na era da máquina de escrever compilou os dados, e distribuiu o trabalho pela família toda.
Quem conheceu D. Alice sabe que ela era um papo pra lá de agradável. Era uma delícia ouví-la contar as histórias pitorescas que não estão nos livros, dos diversos personagens de uma era. De vez em quando, ela era procurada por pessoas ligadas à museus que eram encaminhadas por outros membros da família para tirar dúvidas ou obter informações sobre a genealogia das famílias. E ela tinha grande admiração por Louis Cruls, avô materno de meu pai, também Luiz, por todo seu trabalho desenvolvido para realizar a expedição da Comissão Exploradora do Planalto Central, com as dificuldades de acesso à região central do Brasil, a pedido de Floriano Peixoto, para definir a melhor região para estabelecer a capital do país.
Pessoal da Comissão – Louis Cruls, J. Lacaille, H. Morize, Tasso Fragoso, A. Pimentel, E. Chartier e outros.
Em 1892, um grupo de 21 pessoas entre pesquisadores e pessoas de apoio, partiu de trem do Rio para Uberaba com equipamentos em 206 caixas pesando 9,6 toneladas, e dali em diante em lombo de burro. Compunham a expedição astrônomos, botânicos, geólogo, médico. Por 10 meses a expedição percorreu mais de 4000 quilômetros e definiu o quadrilátero Cruls em área de 14.400 km2, onde hoje está Brasília. Como não havia mapa da região central do Brasil, Cruls passou a orientar-se pelas estrelas que conhecia tão bem. Realizaram estudos científicos do clima da região, flora, fauna, cursos d´água, topografia, produzindo o 1o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) da história.
Se tiver interesse leia o que diz o astrônomo Ronaldo Mourão ou aqui ou aqui.
Acampamento às margens do Rio Paranahyba. Longe do conforto de casas.
Vista de Goyaz
Salto de Itiquira
Em nossa sala de visitas em Ipanema, um volume encadernado do Relatório da Comissão Exploradora do Planalto Central tinha um lugar de destaque. Agora está com meu irmão em Sampa. Algumas vêzes, esteve lá em casa o Sr. Back, amigo argentino de meu pai, em busca de informações sobre Luiz Cruls e sempre trazia jornais de Diest, a cidade onde nasceu, com informações a seu respeito ou notícia de alguma homenagem ao seu trabalho, em flamengo bien sûr, e que continuam guardadinhos. Ele contava a meus pais como Louis F. Cruls era admirado na Bélgica como um homem da ciência, enquanto no Brasil era pouco conhecido e reconhecido.
Depois que minha mãe faleceu, o que aconteceu de repente enquanto dormia, taí uma coisa complicada, pois num dia você está ali conversando com a pessoa e no dia seguinte sem aviso prévio, este convívio é interrompido. Sua morte súbita foi muita sentida entre parentes e amigos de todas as faixas etárias, pois ela era muito querida mesmo.
Dali em diante, procurei dar continuidade à preservação desta documentação, estudando o material que ela tinha guardado ao longo de tantos anos.
Comecei a pesquisar sobre a família Cruls nos primórdios da internet, usando ferramentas de buscas. Com isto, achei endereços de parentes Cruls espalhados em várias cidades da Bélgica, principalmente St. Truiden, Diest e Bruxelas, na Bélgica, alguns nomes em Paris e uns 2 ou 3 nos Estados Unidos.
Fiz contatos por e-mail com a Embaixada da Bélgica em Brasília e obtive o endereço onde está a placa em homenagem a Louis Cruls, Overstraat, 9, em Diest, afixada na casa onde ele nasceu. Para o centenário da Missão Cruls foi criado um grupo de trabalho ” Cruls “, em Bejinhof na Kerkstraat, 18. A responsável era a Sra. Debouette. Consegui o mapa de localização dessa placa quando ainda não havia google map 😉 E eu ia imprimindo tudo. Cada vez mais me atraia a idéia de buscar nossas raizes e ir à cidade onde nosso bisavô nasceu. E com a viagem à Paris em 2006, a ida à Diest era certa. Fui munida de documentos, textos, jornais de Diest e fotos de nosso bisavô que meu irmão enviou-me de São Paulo, enfim o que tinha relacionado a ele.
Agora, voltando à viagem. Na 5a. feira de manhã, pegamos o metrô até a Gare Montparnasse de onde sai o Thalys para Bruxelas e nos deixa na GareMidi, bem central. Fizemos uma malinha pequena para passarmos uma noite em Bruxelas. A viagem de Paris a Bruxelas é rapidíssima, só 1h25min. Ainda de manhã, chegamos em Bruxelas e em frente à GareMidi, tomamos um taxi para deixar nossa maleta no hotel. Começamos a bater papo com o motorista, um africano altíssimo, o Bonaventure. Comentamos que iríamos à Diest, eu lá abraçada com minha pasta com mapas e documentos, e expliquei que procurávamos a casa onde nasceu nosso bisavô e a placa em sua homenagem. Paramos em frente a um hotel, visitamos um quarto e não gostamos nadinha. A essa altura, indaguei como quem não quer nada, quanto seria a ida à Diest e fechamos com o Bonaventure na hora. Foi a melhor coisa. O carro dele era confortabilíssimo, uma camionete Hiunday. Com isto fomos rapidinho até à cidade com o endereço da casa no GPS, Overstraat, 9. Chegamos até a porta da casa. Um detalhe, as casas não têm muro, você bate direto na porta da casa. Só que a moça que me atendeu disse que não era lá, era a Overstraat no centro da cidade e lá fomos nós. O GPS não distingue 2 endereços iguais 😉 Paramos em outro ponto com o mapa na mão e sem conseguir achar, Bonaventure chegou perto de um rapazinho para pedir ajuda, a referência era Cruls. O que o rapaz fez ? Entrou no carro e pediu que o seguíssemos, nos deixou na parte antiga da cidade e disse que procurássemos uma senhora dona de um restaurante, cujo marido tinha escrito um livro sobre Cruls. Achei essa atitude do rapaz, absolutamente fantástica, parar o que estava fazendo para nos conduzir 😉 A cidade era essa gracinha que vocês vêm na foto.
Entra-se por aquele arco e ali está uma noiva.
Esta igreja
é de 1300.
Assim nos contou uma senhora que estava na igreja e disse ainda que naquela época era uma ordem de freiras e só mulheres podiam freqüentá-la.
A cidade é tão gracinha, tão calma, sem engarrafamentos, stress zero que dá vontade de pegar suas coisas e ir morar lá 😉
Quando chegamos ao restaurante a senhora Zelem nos atendeu atenciosamente com uma gataria a seus pés. Quando expliquei do que se tratava ela abriu um sorriso e foi buscar um livro que seu pai havia escrito sobre Louis F. Cruls.
O pai dela já havia falecido, e ela nos informou também que a coordenadora do grupo de trabalho Missão Cruls havia falecido um ano antes de câncer, e a casa onde ele nasceu estava fechada, mas a placa estava lá.
Como estávamos morrendo de fome, pedimos croques monsieurs (queijo quente) com salada que foram os mais deliciosos que comemos na vida, nham
Bonaventure, o motorista africano que ajudou a materializar nossa missão.
Com explicações da Sra. Zelem fomos buscar a casa e a placa.
Chegamos na Overstraat, 9. A casa onde nosso bisavô nasceu.
A placa em homenagem a ele, em flamengo. Mas, dá para entender o sentido do texto.
Dali, votamos para Bruxelas.
E fomos para a Grand Place.
Belíssima.
Era feriado, data de comemoração da coroação do rei.
Parei um minutinho numa loja de gobelins lindos e dali fomos para a gare Midi, onde Bonaventure nos deixou e encerrou seus serviços 😉 Remarcamos o bilhete do trem sem nenhuma dificuldade, e voltamos para Paris às 17:30h. O trem saiu no horário direitinho, só atrasou na chegada porque houve problema com trem na frente do nosso, e ficamos parados algum tempo no meio do nada. Chegando em Paris, tomamos o metrô e descemos na estação Vavin. As 10:45 já estávamos no hotel com missão cumprida ! 😆 😆
Louis Ferdinand Cruls nasceu em Diest, Bélgica, em 21 de janeiro de 1848, formou-se pela Universidade de Gand, e com 26 anos veio para o Brasil, onde casou-se e constituiu família. Amou nosso país, onde trabalhou e viveu até pouco antes de morrer em 21 de junho de 1908, em Paris com pouco mais de 60 anos de idade, para onde foi tratar problemas de saúde.
À bordo do navio que o levava para a Europa, todas as noites costumava contemplar demoradamente no tombadilho o céu meridional que ia aos poucos desaparecendo, substituído cada dia mais pelas constelações do setentrião. O Cruzeiro do Sul cada noite se apresentava mais baixo o que Cruls fazia questão de assinalar à sua esposa com emoção, como se tratasse do próprio Brasil que ficava mais distante. Até que certa noite em que Cruls tinha se demorado no tombadilho até mais tarde, ele entra no camarote e diz à sua esposa pálido e emocionado: “Está tudo acabado”. Era o Cruzeiro do Sul que afinal mergulhava definitivamente horizonte e não seria mais visto, como não foi por aqueles olhos sonhadores de quem amou tanto a terra do Brasil ” (parte de texto encontrado em seus pertences, elaborado por autor desconhecido)
Trabalhou de forma honrada e o único bem que deixou foi a casa onde morou em Laranjeiras.
A serie de posts da viagem de 12 dias a Paris que incluiu a ida a Diest:
13 dias flanando em Paris com uma chegadinha a Diest
2a. feira indo ao Marais e a Place des Vosges
Conhecendo Annick Goutal, agradecendo a N.S. da Medalha Milagrosa e dando uma passadinha na Grande Epicerie de Paris
Revisitando o Museu d’Orsay
Recebendo Renata
Indo a Diest em missao de familia
No domingo, visitando o Museu Marmottan, indo a Piramide do Louvre e fechando no Laduree